Anos atrás, eu não conseguia me enxergar como uma menina negra. Hoje, posso dizer que a gente reproduz tudo o que absorvemos ao longo da vida.
Por influência de minha mãe, sempre fiz procedimentos químicos no cabelo desde pequena, pois a maioria de nós já nasce com o conceito de que cabelo de negro é ruim, duro e feio. Aos 9 anos já alisava o cabelo e sofria com feridas no couro cabeludo e cortes químicos, porém, nunca desistia do sonho de ter o cabelo longo e liso.
Ao longo da minha infância sempre ouvi que, além de ter o cabelo ruim, meu nariz era muito grande e largo igual a uma batata, que minha boca era grande demais. Nunca me agradava o que refletia no espelho. Era difícil tomar iniciativa de fazer amizades na infância, pois não me sentia confortável e segura comigo mesma. Tinha pra mim que eu sempre seria rejeitada ou motivo de chacota nas rodinhas.
Podemos ser engolidos pelas mídias sociais de formas muito negativas, ao passo que as mesmas também podem nos ajudar, desde que as usemos com sabedoria. A representatividade nas mídias é muito importante em todos os segmentos sociais, podemos nos sentimos acolhidos, representados e incentivados por nossos semelhantes. Em 2015, passei a seguir mais perfis de mulheres negras em minhas redes, mas isso aconteceu naturalmente. Foi crescente a admiração por suas personalidades fortes e únicas. Iniciei minhas pesquisas incessantes sobre transição capilar, uma vez que já estava cansada de alisar o cabelo por tanto tempo, e todo mês desembolsando R$100,00 em algo que não me trazia benefício algum, pelo contrário, me tornava dependente, era como uma droga. Depois de muito pensar, decidi que iria parar com os alisamentos, e deixaria meu cabelo natural. Estava empolgada para ver como ele ficaria, pois nem lembrava mais como era meu cabelo de verdade.
A transição foi extremamente difícil. Me deixava frustrada lidar com duas texturas de cabelo. Mas ao mesmo tempo, passei a cuidá-lo com carinho, fazer rituais de auto cuidado. Passados 5 meses, cortei a parte com química, o que me deixou com 3 dedos de cabelo, o famoso corte joãozinho. Os olhares atravessados na rua, em casa, em rodas de amigos, era inevitável. Poucos apoiaram minha decisão, alguns pouparam comentários, outros não.
Os meses foram se passando e eu fui me descobrindo, me aceitando, me amando, me conhecendo. Percebi que a transição foi extremamente importante para eu me enxergar como realmente sou, como mulher negra. Me despertou o interesse em conhecer minhas raízes, e a partir disso também criei novas paixões. Passei a ir em eventos e feiras relacionadas a cultura afro; aprendi a trançar meu cabelo por conta própria; descobri o meu amor pelo samba rock e a gafieira; enxerguei o mundo da forma que ele é: por mais que os negros estejam em grande maioria na população brasileira, é muito difícil vê-los em cargos importantes e significativos, é raro ver negros em ambientes de trabalho em que eu estou inserida, assim como foi na escola, faculdade, círculos de amigos… É raro ver negros em grandes publicidades, programas de TV, ou em papéis de novela que não sejam de empregada, motorista da família rica, bandido ou traficante.
Tendo ciência desses fatos, passei a incentivar e priorizar empreendedores negros no mercado, pois um negro formado, dono de si e dono do seu próprio negócio é revolucionário. Me orgulho de nunca ter escutado as opiniões contra a minha transição capilar, pois muito provavelmente não teria consciência de nada disso hoje em dia.
O que posso concluir com tudo isso?
Bom, todos nós passamos por momentos difíceis que são extremamente necessários pro nosso amadurecimento. Esse despertar veio a partir de uma insatisfação física, mas que mudou todo um modelo de pensamento e de vida. Meu apelo, é que vocês, pais, de filhos negros ou não, ensinem seus filhos a se amarem dos pés à cabeça, do jeitinho que eles são; que vocês os ensinem a respeitar e conviverem com as diferenças, pois uma palavra dita pode corroer a auto estima de uma criança e ter resquícios comportamentais até a vida adulta; ensinem-os a serem fortes e não se abalarem com qualquer palavra ou olhar atravessado; que além de terem a consciência de quem são, se orgulhem de quem são.
Podemos sim, transformar esse mundo cruel com pequenos atos. Precisamos nos atentar diariamente às ideias e valores que consumimos e absorvemos, e também àquilo que comunicamos. Vocês têm dimensão do quão grave é, pessoas morrerem pela cor de sua pele? E ainda, serem reprimidas ou silenciadas por reivindicarem aquilo que lhes é de seu direito? Fica o meu convite para trabalharmos um pouco a cada dia com intuito de sermos pessoas mais evoluídas, mais sensatas e conscientes.
Feliz dia da Consciência Negra!
Juliana Cristina